Não sei exatamente em que momento comecei a despertar. Só sei que tudo começou a
ganhar uma cara que, no fundo, eu já conhecia, mas havia esquecido como era.
Comecei a despertar do sono estéril que, com suas mãos feitas de medo e neblina,
fez minha alma calar. E foi então que comecei a ouvir o canto de força e ternura
que a vida tem.
Não sei exatamente em que momento comecei a despertar. Só sei que ninguém começa a despertar antes do instante em que algo em nós consegue deixar à mostra o truque que o medo faz. Só então a gente começa, devagarinho, para não assustar o medo, a refazer o caminho que nos leva a parir estrelas por dentro e a querer presentear o mundo com o brilho do riso que elas cantam. Só então a gente começa a entender o que é esse sol que mora no coração de todas as coisas. Não importa com que roupa elas se vistam: ele está lá.
Não sei exatamente em que momento comecei a despertar. Só sei que ninguém começa a despertar antes do instante em que algo em nós consegue deixar à mostra o truque que o medo faz. Só então a gente começa, devagarinho, para não assustar o medo, a refazer o caminho que nos leva a parir estrelas por dentro e a querer presentear o mundo com o brilho do riso que elas cantam. Só então a gente começa a entender o que é esse sol que mora no coração de todas as coisas. Não importa com que roupa elas se vistam: ele está lá.
]Não sei exatamente em que
momento comecei a despertar. Só sei que comecei a lembrar de onde é o céu e a
perceber que o inferno é onde a gente mora quando tudo é sono. Comecei a sair
dos meus desertos. E a olhar, ainda que timidamente, para todas as miragens, sem
tanto desprezo, entendendo que havia um motivo para que elas estivessem
exatamente onde as coloquei. Nenhum livro, nenhum sábio, nada poderia me ensinar
o que cada uma me trouxe e o que, com o passar do tempo, continuo aprendendo com
elas. Dizem que só é possível entendermos alguns pedaços da vida olhando para
eles em retrospectiva. Acho que é verdade.
Não sei exatamente em que
momento comecei a despertar. Só sei que comecei a compreender o respeito e a
reverência que a experiência humana merece. A me dar conta de delícias que
passaram despercebidas durante um sono inteiro. E a lembrar do que estou fazendo
aqui. Ainda que eu não faça. Ainda que os vícios que o sono deixou costumem me
atrapalhar. Ainda que, de vez em quando, finja continuar dormindo. Mas não tenho
mais tanta pressa. Comecei a aprender a ser mais gentil com o meu passo. Afinal,
não há lugar algum para chegar além de mim. Eu sou a viajante e a
viagem.
Não sei exatamente em que
momento comecei a despertar. Só sei que comecei a querer brincar, com uma
percepção mais nítida do que é o brinquedo, mas também com um olhar mais puro
para o que é o prazer. A ouvir o chamado da minha alma e a querer desenhar uma
vida que passe por ele. A assumir a intenção de acordar a cada manhã sabendo
para o quê estou levantando e comprometida com isso, seja lá o que isso for,
porque, definitivamente, cansei de perambular pelos dias sem um compromisso
genuíno. E comecei a gritar por liberdade de uma forma que me surpreendeu. Antes
eu também gritava, mas o medo sufocava o grito para que eu não me desse conta do
quanto estava presa.
Não sei exatamente em que
momento comecei a despertar. Só sei que comecei a desejar menos entender de onde
vim e a desejar mais aprender a estar aqui a cada agora. Só sei que descobri que
a solidão é estar longe da própria alma. Que ninguém pode nos ferir sem a nossa
cumplicidade. Que, sem que a gente perceba, estamos o tempo todo criando o que
vivemos. Que o nosso menor gesto toca toda a vida porque nada está separado. Que
a fé é uma palavra curta que arrumamos para denominar essa amplidão que é o
nosso próprio poder.
Não sei exatamente em que
momento comecei a despertar. Só sei que não importam todos os rabiscos que já
fizemos nem todos os papéis amassados na lixeira, porque todo texto bom de ser
lido antes foi rascunho. E, por mais belo que seja, é natural que, ao relê-lo,
percebamos uma palavra para ser acrescentada, trocada, excluída. A ausência de
uma vírgula. A necessidade de um ponto. Uma interrogação que surge de repente.
Viver é refazer o próprio texto muitas, incontáveis, vezes.
Não sei exatamente em que
momento comecei a despertar. O que sei é que não quero aquele sono outra
vez."
Ana Jácomo
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